Quem não guarda na memória afetiva versos de poemas, ou até mesmo poemas inteiros, aprendidos na infância? Acredito que muitas pessoas retêm essas preciosidades. Talvez isso aconteça porque poesia é musicalidade, é ritmo, e, quando nos identificamos com a melodia, o registro fica mais fácil de ser feito.
Desde muito cedo, a criança presta atenção aos sons da fala, mesmo não entendendo o significado das palavras. Ela se concentra na melodia existente na voz dos pais, na entonação e ritmo empregados, no formato da boca ao falar, na expressão facial ao pronunciar tais sons. Todo esse sistema de comunicação, em certa medida, é percebido por ela, que busca alimentar esse “diálogo”, respondendo através de sorrisos, risos, gargalhadas, balbucios, e essa conversa não deixa de ser poesia.
Mais tarde, quando aprende a falar, a criança cria palavras e expressões, repete aquelas cuja sonoridade soa-lhe agradável, ordena frases de formas variadas, enfim, brinca com as palavras. Esse esquema de fala também apresenta características parecidas com as do texto poético.
Por todos esses aspectos citados, que evidenciam a naturalidade da criança para fazer poesia, já justificaria o uso desse recurso pedagógico. Entretanto existem mais motivos que legitimam a leitura de poemas desde muito cedo na vida da criança.
Esses motivos serão apresentados lado a lado com as sugestões de uso dos poemas de W. Armanelli para crianças.
Vamos a eles.
Localização dos poemas no site: em Obras, na pasta Poesias para crianças.
Público-alvo: Educação Infantil
Poema: Estrelinha do Coração
Em pauta: Afetividade
Lá no céu do coração
Eu vi uma estrela
Tão bonitinha...
Tô pensando numa coisa:
Vou pegar meu avião
Vou abrir meu coração
Pra buscar essa estrelinha
E dar para minha mãezinha.
Esse poema de uma única estrofe, composto de oito versos muito delicados que expressam carinho e revelam toda a importância que a mãe representa para a criança.
Os diminutivos – bonitinha (adjetivando a estrela), estrelinha e mãezinha - são utilizados justamente para expressar a delicadeza contida nesses seres, vistos com o olhar de encanto da criança. Importante dizer que o uso de diminutivo é feito não só para indicar diminuição de tamanho. Usamos para atenuar o sentindo (Senti um friozinho na barriga.); para dar ênfase ao sentido (Vou rapidinho e volto.); para desmerecer, ofender a pessoa (Esse doutorzinho não acerta um diagnóstico sequer.); dentre outros. No poema, o diminutivo denota carinho, afetividade. Foi usado com o fito de alimentar e fortalecer o afeto nos pequenos.
O poema inicia indicando o lugar encantador de onde o eu lírico, que é a voz da criança que narra o texto poético, viu tudo isso: Lá no céu do coração. E finaliza apresentando a consequência dessa visão, que é imaginar ações amorosas: pegar o avião, abrir o coração, buscar a estrelinha e dar à mãezinha. Na condução do entendimento do poema, perguntar:
De que lugar a criança viu tudo o que ela conta? (Possibilitará também o entendimento do uso do advérbio lá que indica lugar.)
“Viu uma estrela/ Tão bonitinha...” – a estrela que a criança viu era muito bonita ou pouco bonita, quase feia? (Uso do advérbio tão aumenta a intensidade de bonitinha, portanto, é o mesmo que muito bonitinha.)
Trabalhando a memorização de uma sequência: “Tô pensando numa coisa:”, qual foi a primeira coisa pensada? A segunda? A terceira? E a quarta? (Atividade que dialoga com a matemática, ao propor a ordenação de ações.)
A complexidade e também beleza do estilo poético está em utilizar poucas palavras para revelar um conteúdo consistente e de forma rimada. E é isso que podemos apreciar nesse poema feito para os pequeninos, que sabem mais do que nós, adultos, o quanto o céu pode nos inspirar a imaginar grandes feitos amorosos.
Poema: A Batoquinha
Em pauta: desenvolvimento do pensamento e da capacidade de comunicar
Batoquinha – quem poderia ter esse nome?
Batoquinha, que formiga!
Tão pequena e sabidinha
Corta as folhas, vai levando
Lá pra dentro da casinha.
Pare, pare, Batoquinha!
Não estrague o meu jardim!
Estas flores são tão lindas
Mamãe deu foi para mim.
Pois é, Batoquinha é o nome de uma formiga, apresentada no breve poema de duas estrofes. A primeira estrofe identifica a Batoquinha e o que ela faz; na segunda, Batoquinha é interrompida na execução de sua tarefa.
A criança deverá ser conduzida a perceber a diferença entre a forma de falar a respeito da formiga (primeira estrofe), da forma de falar com a formiga (segunda estrofe). Ela poderá perceber aspectos da oralidade (entonação, acentuação e ritmo) que são fundamentais para o entendimento de sentido nas variadas situações de uso da fala.
Outra forma de permitir o entendimento e enriquecer o trabalho pedagógico é lançar o desafio: se você fosse Batoquinha, o que você diria à pessoa que mandou você parar com o seu trabalho?
Colocando mais lenha na fogueira: e qual seria a resposta dessa pessoa? Enfim, o objetivo é oportunizar a criação de diálogo, buscando desenvolver na criança o pensamento e a capacidade de se comunicar.
Poema: O índio Pururuca
Em pauta: desenvolvimento da escuta (consciência fonológica)
Peguei meu cavalo
E fui lá pro mato
Eu vi Pururuca
De tanga e sapato.
O índio cantava
Bem alto e bonito
Batendo tambor
Soprando o apito.
É dum... dum... dum...
É fiu... fiu... fiu...
Índio elegante
Nada no rio.
Em todos os versos do poema, é possível construir uma imagem que poderá ser imediatamente transformada em movimento. Rico momento para exercitar isso com as crianças, para que elas façam este percurso: palavras, imagem, ação.
No último verso da primeira estrofe, uma palavra pouco presente no vocabulário da criança é apresentada – tanga; que também forma uma contradição quando associada à outra, pois sapato não é bem o complemento para quem usa uma tanga. Essa é uma estratégia rica para a memorização, uma vez que a nossa memória tem mais facilidade de registrar fatos inusitados, extraordinários, absurdos, do que fatos rotineiros e comuns. Sendo assim, vale a utilização desse método: associar ao conteúdo que precisamos memorizar imagens absurdas.
Ouvindo sons - promover jogos de escuta
“É dum... dum... dum...
É fiu... fiu... fiu...”
Para crianças que ainda não falam, é muito importante trabalhar com sons de objetos e de animais, as onomatopeias, porque faz com que elas exercitem o ato de falar.
Trabalhando sons de instrumentos: pedir à criança que faça a associação entre os instrumentos citados no poema e o som que cada um deles produz. Apresentar outros instrumentos e também objetos, e pedir que ela imite os sons produzidos.
Trabalhando o ritmo – brincadeira de imitação:(com crianças a partir dos três anos): Comece, por exemplo, falando cada onomatopeia separadas apenas por 2 ou 3 segundos, e, gradativamente, aumentar a cadência, diminuindo os espaços entre os sons. Importante respeitar o nível rítmico de cada pequeno na imitação do padrão apontado.
Poema: A Pulguinha Maristela
Em pauta: um poema que conta uma história
A pulguinha Maristela
Pula, pula, sem parar.
Suas pernas tão fininhas
Não se cansam de pular.
Passou perto um cão peludo
Maristela se alegrou:
“Oba! Oba! Que beleza!
É com este que eu vou.
E agora o cachorrinho
Coça, coça, o dia inteiro.
E a pulguinha Maristela
É a dona do pulgueiro.
Cada uma das estrofes aponta três momentos, a saber:
1ª) o que faz a pulguinha Maristela com os recursos físicos que possui;
2ª) circunstância e ação de Maristela;
3ª) consequências da ação da pulguinha.
Para crianças a partir de quatro anos, os três momentos desse poema narrativo podem ser explorados de maneira que elas possam compreender a estrutura de uma história: introdução, desenvolvimento e conclusão. Também é possível explorar conceitos matemáticos que dão suporte para aprendizados futuros.
Sugestão de perguntas:
1ª) O que faz Maristela? Como são as suas pernas? São pernas fracas? O que nos mostra que suas pernas são fortes? (Buscar respostas no texto e trabalhar com os conceitos matemáticos - fino/grosso)
2ª)O que aconteceu antes de Maristela dizer: Oba! Oba! Que beleza! É com este que eu vou? (Conceitos matemáticos – antes/ durante/depois – importante aprendizado a respeito dos acontecimentos no espaço e no tempo da história.)
3ª) O que aconteceu com o cachorrinho no final do poema? E com a pulguinha Maristela? (Conceitos matemáticos – no início/ no meio/ no fim - permitem o entendimento da sequência de fatos apresentados e a sua conclusão.)
Trabalhando com consciência fonológica (ênfase na consciência silábica): chamar a atenção para as palavras: pulguinha e pulgueiro, para que a criança identifique as semelhanças (das sílabas iniciais) e diferenças (das sílabas medianas e das sílabas finais), assim como o significado de cada uma das palavras (pulguinha e pulgueiro são palavras derivadas de outra já existente – pulga; têm, portanto, significados relacionados à palavra pulga).
É essencial que a criança tenha o conhecimento necessário para manipular as palavras em suas menores unidades, em sílabas e em fonemas, e deve saber o que essas palavras significam. O desenvolvimento da consciência fonológica é um pré-requisito para o aprendizado da leitura.
Anossa proposta não se esgota aqui. Vamos estender as sugestões de trabalho com poemas deste site ao próximo artigo, pois, como vimos, o poema é um rico recurso pedagógico que permite um trabalho multidisciplinar, e não podemos prescindir dele.
Até mais ver!
Nádia de Azevedo Porto
Consultoria e Assessoria Pedagógica
Desenvolvimento de práticas que oportunizam
melhores resultados pedagógicos, baseadas em evidências científicas.