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É HORA DE LER POEMAS PARA CRIANÇAS?

É SIM, SENHOR! (Parte II)

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Conforme vimos no artigo anterior, são diversas as conquistas da criança, quando fazemos uso de poemas de maneira planejada, considerando as várias formas de promover o desenvolvimento do pensamento, da expressão oral e corporal, da consciência fonológica, da ampliação do vocabulário, dentre outras habilidades que encontram na infância o período mais propício ao florescimento.

 

Abordamos também a propriedade desse recurso de fertilizar a memória, dando maiores condições para a sua expansão. Importante ir mais longe e ressaltar a necessidade do trabalho de memorização, já que a memória é um fundamento essencial para a nossa sobrevivência, e é um apoio indispensável ao desenvolvimento da inteligência.
 
E, para que haja o fortalecimento da memória, não se pode prescindir da repetição. Ao repetir, o cérebro tende a fixar a informação, o aprendizado. Até mesmo a repetição aparentemente mecânica surte efeito, uma vez que o inconsciente entende que, se se repetiu muitas vezes, é algo importante e deve ser retido na memória. No entanto, vale utilizar formas diferentes para trabalhar o mesmo conteúdo, e dar condições à criança de compreender o sentido do que está ali expresso. É isso que buscamos trazer para você através do nosso blog.
 
Vamos então a outros poemas, sempre com o objetivo de ampliar o universo das nossas crianças, ensinando-as a ouvir atentamente os sons da nossa língua, por meio dos sons brincantes da rima; conduzindo-as a perceber nuances de cada som de palavras, sílabas e fonemas; incitando-as a imaginar e expressar de várias maneiras o que elas ouvem e falam. Afinal, quanto mais nos apropriamos das características do texto poético, quanto mais conseguimos perceber a força e a expressividade que as palavras ganham nesse tipo textual, quanto mais vezes lemos um poema, mais condições temos de encontrar ensinamentos nele e perceber as intenções subtendidas do poeta.
 
Localização dos poemas no site: em Obras, na pasta Poesias para crianças.
Público-alvo: Educação Infantil
 
Poema: A minhoca Petequinha
Em pauta: conhecer para valorizar e ver beleza
Petequinha, que minhoca!
Danadinha pra furar
Fura a terra, faz tubinhos
Onde a água vai passar.
 
Petequinha pula, pula
Se cá fora vem ficar
Mas debaixo lá da terra
Seu trabalho é só furar.
 
Ninguém gosta de minhoca
Causa nojo até de ver
Mas se a terra ela não fura
As plantinhas vão morrer.
 
O poema A minhoca Petequinha apresenta sonoridades que estimulam o desejo de reter o texto e de recitá-lo uma, duas, três, muitas vezes, porque utiliza um jogo simples de rimas que conceitua a minhoca e apresenta o trabalho primoroso e importante que esse animalzinho realiza para a vida de plantas e seres que vivem na terra: Petequinha, que minhoca!/ Danadinha pra furar (Somos apresentado à minhoca de nome simpático que tem grande capacidade de furar. O que ela fura?) / Fura a terra, faz tubinhos/ Onde a água vai passar. (Resposta dada.)
 
Na segunda estrofe do poema, temos a explicação do nome Petequinha e a apresentação dos ambientes em que ela vive.
Petequinha pula, pula/ Se cá fora vem ficar. A minhoca fora da terra dá pulos que se assemelham aos “pulos” que a peteca dá quando é arremessada para lá e para cá. (Importante conduzir a criança a perceber todas as informações possíveis de serem extraídas do texto.)
 
E continua: Mas debaixo lá da terra/ Seu trabalho é só furar. Assim temos: Petequinha fora da terra – pula, pula; dentro da terra – fura, fura. (Os conceitos matemáticos fora/dentro podem ser explorados através da imitação da minhoca em cada uma dessas situações.)
 
Temos a conclusão na terceira estrofe, em que o poeta apresenta o desfecho da sua argumentação. Ele expõe o sentimento das pessoas para com a minhoca: Ninguém gosta de minhoca/ Causa nojo até de ver. Em seguida, sobrepõe a isso, o trabalho relevante que esse bichinho realiza, e apresenta a seguinte advertência: Mas se a terra ela não fura/ As plantinhas vão morrer.
 
Essa argumentação favorece algumas reflexões, principalmente para quem tem pouco contato com a vida rural e considera pisar e pegar na terra algo não higiênico, visto que pés e mãos ficam “sujos” nesse contato. E, como a terra é a casa da minhoca, chega-se à equivocada conclusão: minhoca é um bicho que vive na terra, come terra, sendo assim, é sujo e nojento. O conteúdo que o poema traz pode mudar essa linha de raciocínio e possibilitar que se vá adiante para saber mais sobre esse assunto, e conhecendo melhor é possível desenvolver maior simpatia por esse animalzinho. E mais ainda: é possível concluir que a beleza também está presente naquilo que, à primeira vista, não apresenta aparência tão glamorosa.
 
Poema: O meu Papai
Em pauta: falando de emoções
Há inestimável ganho quando a criança expressa as suas emoções, e, se ela for conduzida a também nomeá-las, terá maiores condições de ampliar o repertório de habilidades sociais e, dessa forma, poderá relacionar melhor consigo mesma e de maneira menos conflituosa com as outras pessoas.
 
Este poema apresenta situações que permitem investigações preciosas no terreno emocional que podem levar a criança a identificar, reconhecer, entender e comunicar as suas emoções.
 
Vamos a ele.
 
Eu tenho um amigo
Chamado Papai
De noite ele fica
De dia ele sai.
 
Passeia comigo
Me ensina a nadar
Meu pai sabe tudo
É só perguntar.
 
Tem hora que fica
Nervoso comigo
Mas logo me abraça
Ele é meu amigo.
 
O eu lírico, isto é, a voz que se manifesta no poema, é a voz de uma criança que tem um pai que ela admira e confia. Em todos os versos podemos constatar isso. E vale explorar cada um deles com muito cuidado e plena atenção, uma vez que revelações preciosas podem surgir e devemos dar a elas o tratamento adequado.
 
Sugestão de abordagem:
1ª estrofe
Eu tenho um amigo/ Chamado Papai - Você também considera que seu pai é seu amigo? Por que seu pai é seu amigo? (Boa oportunidade para saber como são os laços afetivos da criança com o pai.)
 
De noite ele fica/ De dia ele sai. – Quem fica? Fica onde? Quem sai? Sai de onde? Por que ele sai? O seu pai também sai de dia e volta de noite? (Momento oportuno para explorar a importância da figura paterna. Assim sugerimos a ampliação do entendimento dos versos seguintes: De dia ele sai - sai para trabalhar, para conseguir dinheiro para sustentar a família, dar a ela maior conforto, maior proteção, maior segurança, uma vida melhor. De noite ele fica – fica para usufruir a riqueza da convivência familiar que é tão importante para a nossa vida, pois nos deixa mais fortes, mais seguros para viver e conviver. A família é o núcleo de amparo, de proteção, de esteio do ser humano.)
 
2ª estrofe
Passeia comigo – Alguém leva uma pessoa para passear. Qual a pessoa que leva e quem é levado ao passeio? Seu pai leva você para passear? Geralmente onde vocês passeiam?
 
Me ensina a nadar – Quem ensina e quem aprende a nadar? Seu pai sabe nadar? E você sabe nadar? Quem te ensinou? (Em ambos os versos, podemos conduzir a criança a perceber os cuidados que o pai dispensa a ela. Passear, ensinar a nadar, andar de bicicleta... – incentivar a criança a enumerar ações que ela realiza na companhia do pai e como ela se sente nesses momentos.)
 
Faz parte da estrutura do poema apresentar as informações de forma sintética, por isso deve ser feita uma sondagem para avaliar se houve o entendimento da criança, e ir além: possibilitar que ela veja em sua vida o que o poema aponta.
Meu pai sabe tudo/ É só perguntar. - Você perguntar muita coisa a seu pai? Ele responde sempre? Você também acha que seu pai sabe tudo? (Será possível perceber como a criança vê o seu pai. Incentivá-la a enumerar os conhecimentos que foram aprendidos com o pai.)
 
3ª estrofe
Tem hora que fica/ Nervoso comigo – Por que uma pessoa fica nervosa com a outra? Como você sabe que seu pai está nervoso? Quando ele está assim, como você se sente?
 
Mostrando a “cara” da emoção
Propor: Faça a cara de alguém nervoso. Mostre os movimentos da pessoa quando está nervosa. Imite a voz da pessoa quando está nervosa. Mostre os movimentos que ela faz com o corpo quando se encontra nesse estado.
 
Excelente momento para dar nome à emoção que está presente quando a pessoa está nervosa – raiva. Não é adequado adjetivar a raiva como boa ou ruim, uma vez que ela é um sentimento humano e como tal existe para movimentar a nossa vida e mudar comportamentos e situações que estão em desequilíbrio. A raiva pode surgir em momentos em que esperávamos que algo acontecesse de uma forma e acontece de outra, e pode nos impulsionar a agir de forma construtiva ou destrutiva.
 
Mas, para que a raiva não seja destrutiva, precisamos conhecê-la. A psicologia afirma que existe um aprendizado para lidar com essa emoção, cujo desenvolvimento deve começar na infância. Devemos saber que a raiva é o sentimento que surge em reação a percepção, que pode ser verdadeira ou equivocada, de ter sido agredido, desvalorizado, subjugado ou inferiorizado por alguém. E podemos expressá-la de forma adequada, quando procuramos resolver o problema, ou de forma desproporcional, não resolvendo, mas aumentando o conflito.
 
Uma forma positiva de ensinar/aprender sobre esse sentimento é conduzir a criança a perceber o que é a raiva e as alterações que ela opera em nós. Perguntas deste tipo podem favorecer o trabalho: a nossa voz muda quando estamos com raiva? Temos necessidade de falar mais alto e mais forte? Temos dificuldade de respirar? O nosso coração bate mais depressa? Como é a forma que olhamos para o outro quando ele nos faz sentir raiva? Fazemos movimentos com a cabeça? Que movimentos são feitos com os braços? E com as pernas? Outras partes do nosso corpo se movimentam? Quais?  (Dessa forma, a criança toma conhecimento de que todo o corpo sofre mudanças quando a raiva surge, então poderá identificá-la, caso esteja nessas condições.)
 
Continuar investigando:
Você também fica nervoso, com raiva? O que deixa você nervoso, raivoso? Quando você está nervoso, o que seu pai lhe diz? E sua mãe?
 
Mas logo me abraça/ Ele é meu amigo. – O pai dessa criança fica muito tempo nervoso, com raiva? Por que você sabe que não? (A palavra logo nesse contexto é um advérbio de tempo e significa imediatamente, já, prontamente.)
O que deixa seu pai nervoso, com raiva? Ele fica muito tempo com raiva? Depois que a raiva passa, o que vocês fazem? (Importante conduzir a criança ao entendimento do caminho da raiva: quando ela vem, provoca em nós algumas alterações (conforme exploramos acima), e depois que ela vai, também provoca alterações em nosso corpo: ficamos mais relaxados, respiramos melhor, conseguimos pensar com clareza, pois os pensamentos estão mais ordenados, o coração fica tranquilo, os gestos ficam mais suaves, a nossa voz volta ao normal, e podemos conversar mais tranquilamente. Dessa forma, é possível dizer de todo coração: eu te amo, papai!)
 
Volta à calma
Se os efeitos da raiva demoram a passar, ela pode nos causar problemas. E podemos usar uma forma simples e poderosa para resolver a situação: respirar bem devagar, prestando atenção ao ar que entra pelo nariz e que sai pela boca também lentamente.  Repetir essa operação até se sentir melhor. (Fazer com as crianças os movimentos respiratórios para o aprendizado importante de volta à calma. E podemos até criar versinhos: Se a raiva demora passar/ O melhor é respirar.)
 
 
Poema: O macaco
Em pauta: macaquices ao falar, macaquices ao movimentar
Zubaluba-lubaluba
O macaco faz assim
Com uma cara de sabido
Ele olha para mim.
 
Pula e mexe o dia inteiro
Sobe aqui, desce acolá
Mas seu rabo compridão
Nunca se esquece de coçar.
 
Coisa boa é ser macaco
Pra bem alto poder ir
Sai de um galho, vai pra outro
Sem ter medo de cair.
 
A invenção da onomatopeia - zubaluba-lubaluba - torna a recitação uma atividade divertida, que poderá adquirir maior riqueza quando associada à expressão gestual do macaco.
 
O macaco faz assim - assim como? Segundo o poema, o que faz o macaco? Essas são perguntas que podem ser feitas aos pequenos que devem buscar as respostas no poema e responder também usando o corpo.
 
E mais:
Com uma cara de sabido - como é cara de sabido? Alguém aqui sabe fazer cara de sabido?
Quem já viu um macaco? Ele realmente faz o que diz o poema?
Que outros sons e gestos faz o macaco?
 
Estudos apontam que atividades que levam a criança a planejar ações, a se lembrar de fatos e a responder perguntas contribuem para um aprendizado mais efetivo.
 
Sugestão para planejar ações: podemos sugerir, nesse caso, o planejamento de ações com as perguntas: de que outras formas nós podemos apresentar a mensagem que o poema traz? Escrever, ler, recitar – foram as ações empregadas para falar sobre o macaco. Que outras ações podem ser empregadas para apresentar a mensagem do poema? Assim, ações como desenhar, cantar, imitar, dramatizar, podem ser apontadas e executadas pela criança.
 
Poema: O elefante
Em pauta: poema descritivo
Nunca vi um animal
Tão grandão e elegante
Adivinha qual é que é?
Tá sabendo? É o elefante.
 
As orelhas abanando
Ele olha para mim
Tem uma tromba feito cobra
E os dentes de marfim.
 
Você pensa que ele é bobo?
Ele é muito inteligente
Cada coisa ele faz
Que parece até de gente...
 
O poema apresenta aspectos descritivos capazes de permitir aos pequenos apropriarem-se do conceito elefante.  Podemos confirmar isso em quase todos os versos, e temos: é um animal grandão e elegante, tem orelhas que abanam (portanto, grandes), uma tromba que parece uma cobra, tem dentes de marfim. Ele não é bobo, é inteligente e faz cada coisa que parece gente.
 
Reforço para o entendimento
Propor reflexões por meio de comparação: nós não conseguimos abanar as nossas orelhas; o elefante sim. Por que isso é possível para o elefante e não para nós? (Também é um momento oportuno para reforçar o entendimento de conceitos matemáticos – pequeno/grande, leve/pesado, igual/diferente etc.)
 
Propor ainda: vamos imitar o movimento do elefante abanando as orelhas? Que partes do nosso corpo podemos utilizar para fazer isso?
 
Tem uma tromba feito cobra – isso quer dizer que a tromba do elefante é uma cobra? Não? O que isso quer dizer então? (É importante a criança entender que foi feita uma comparação. A palavra como indica isso.)
 
Perguntar: que parte do nosso corpo podemos utilizar para imitar a tromba do elefante?
 
O poema diz que o elefante é inteligente e que, cada coisa que ele faz, parece até de gente. Estudos mostram que isso é verdadeiro. Tanto que usamos a expressão “memória de elefante”, quando nos referimos a alguém que tem boa memória.  Os estudiosos desse maior mamífero terrestre afirmam que o elefante lembra-se por décadas dos aromas e das vozes de indivíduos de outras rotas migratórias, de lugares especiais e de habilidades aprendidas. Por isso vale perguntar: Alguém aqui quer ter uma memória igual ao do elefante? Vamos exercitar então?
 
Desafio: quem é capaz de dizer o que é um elefante na mesma ordem em que essas informações aparecem no poema?
 
 
Considerações finais
É importante ressaltar que, quando indicamos um poema do site e sugerimos maneiras de se trabalhar com ele, não temos a pretensão de esgotar as possibilidades, tampouco abrangemos a totalidade dos conteúdos que surgem nessa empreitada.  Temas que envolvem o desenvolvimento da fala, do pensamento, da memória, da consciência fonológica, da identificação das emoções, por exemplo, exigem estudos mais abrangentes, capazes de dar maior sustentação à prática pedagógica. Vale investir e aprofundar.
 
Já fica nosso o convite: esteja conosco na próxima caminhada pedagógica. Será um prazer e uma alegria ter a sua companhia.
 
Até lá!
Ou seria até cá?! Vamos ver.
 
Estou a brincar.
Falar de poema nos leva a rimar.
 
Nádia de Azevedo Porto
Consultoria e Assessoria Pedagógica
Desenvolvimento de práticas que oportunizam
melhores resultados pedagógicos, baseadas em evidências científicas.
contato: npdirecaopedagogica@gmail.com